quarta-feira, 1 de abril de 2009

Doença de Creutzfeldt-Jakob (Por Príons)


1. Introdução

A doença de Creutzfeldt-Jakob, embora uma forma rara de demência, ganhou enorme publicidade ao longo dos anos, pelo fato de ser o protótipo de um grupo de doenças relacionadas aos prions e, mais recentemente, pela descrição de uma nova variante possivelmente relacionada à encefalopatia espongiforme bovina (EEB), também conhecida como "doença da vaca louca".


2. Patogênese

As encefalopatias espongiformes são um grupo de enfermidades que acometem tanto homens quanto animais e se caracterizam por longos tempos de incubação (meses a anos) e por um curso sempre fatal.

A doença de Creutzfeldt-Jakob foi descrita pela primeira vez em 1920. Em 1968, foi transmitida com sucesso para chimpanzés, provando a existência de um agente infeccioso. Contudo, este agente era resistente a métodos que inativavam ácidos nucléicos (álcool, formalina, radiação ionizante, nucleases), mas não a métodos que provocavam proteólise (autoclavagem, fenol, detergentes e extremos de pH).

No início da década de 80, foi identificada uma proteína específica nos tecidos de portadores de encefalopatias espongiformes chamada de PrP (proteinase-resistant protein). Prussiner propôs que esta proteína fosse o agente infeccioso e criou o termo prion. Estudos posteriores demonstraram que a PrP associada aos processos patológicos (PrPres) era uma isoforma de uma proteína, normalmente produzida pelo próprio hospedeiro (PrPsen) e cujo gene se localiza no cromossomo 20. Nas doenças associadas a prions, a PrPsen, que possui uma estrutura de a-hélice, sofre uma alteração de conformação passando para uma estrutura de b-placa (PrPres). Esta nova forma acumula-se, então, nos neurônios provocando a morte celular.


3. Epidemiologia e formas clínicas

Atualmente existem quatro formas de doença de Creutzfelt-Jakob: esporádica, iatrogênica, familiar e a nova variante.

A forma esporádica corresponde a 85% dos casos e tem uma incidência de 0,5 a 1,5 casos por milhão a cada ano; não há variação sazonal dos casos e nem fatores de risco associados. A forma familiar é responsável por 10 a 15% dos casos e apresenta um padrão de transmissão do tipo autossômico dominante. A forma iatrogênica foi reconhecida em 1974 após um transplante de córnea. Desde então, novos casos têm sido descritos com uso de enxertos de dura máter, administração de hormônio do crescimento (GH) humano e instrumentos cirúrgicos inadequadamente esterilizados utilizados em neurocirurgias. Em relação à nova variante, existem poucas dezenas de casos descritos e suas particularidades serão comentadas, com maiores detalhes, posteriormente.


4. Manifestações clínicas e diagnóstico

Cerca de 80% dos casos ocorrem em pessoas entre 50 e 70 anos. O início do quadro é variado com um terço dos indivíduos apresentando sintomas vagos como fadiga, alterações do sono ou anorexia. Outro terço inicia com amnésia, confusão mental ou mudança de comportamento. O último grupo apresenta sinais focais como afasia, hemiparesia, ataxia ou amiotrofia. A evolução ocorre rapidamente com degeneração cognitiva e o aparecimento de mioclonias, podendo também aparecer em um número variado de casos outras manifestações como coreoatetose, ataxia ou sinais de acometimento do segundo neurônio motor. Nos estados finais, o paciente fica acinético e pode não haver mais mioclonias. O tempo médio de sobrevida é de 5 meses, e 80% dos pacientes falecem em um ano.

Quanto ao diagnóstico laboratorial, não há alterações nas provas de atividade inflamatória nem anticorpos que neutralizem o agente. No líquor, raramente pode haver um discreto aumento das proteínas, porém sem aumento de células. Mais recentemente, foi observado que o aumento de uma proteína chamada 14-3-3 no líquor de pacientes com quadro de demência progressiva tem sensibilidade de 96% e especificidade de 99% para doença de Creutzfeldt-Jakob.

Em relação ao eletroencefalograma, no início do quadro este pode ser normal, porém, mais tarde, aparecem complexos ponta-onda periódicos bifásicos ou trifásicos superimpostos em um ritmo de fundo lento. Estas alterações têm sensibilidade de 67% e especificidade de 86%.

Exames de imagem não apresentam alterações. Inicialmente, porém, com a progressão as doença, tanto a tomografia computadorizada quanto a ressonância nuclear magnética (RNM) mostram atrofia cerebral generalizada. Além disso, em seqüências em T2 de RNM, pode-se observar sinal hiperintenso nos gânglios da base.

O padrão ouro para o diagnóstico ainda é o estudo histológico do tecido cerebral com colorações imunohistoquímicas para PrPres. Os achados patológicos mais importantes são: a) alterações espongiformes (vacúolos redondos, pequenos, que podem se tornar confluentes), b) astrocitose e c) perda neuronal. Placas amilóides são encontradas em 10% dos casos da forma esporádica, mas são comuns na nova variante da doença. Não se observa infiltrados inflamatórios.

A doença de Creutzfeldt-Jakob deve sempre ser lembrada diante de um quadro demencial associado a mioclonias. Outros diagnósticos diferenciais importantes são sífilis terciária, panencefalite esclerosante subaguda, intoxicação por bismuto, lítio ou brometos, e casos de doença de Alzheimer que apresentam mioclonias. Com apresentação típica, curso rápido e os achados eletroencefalográficos e liquóricos acima descritos, o diagnóstico pode ser determinado com relativa certeza, podendo ser confirmado com biópsia cerebral.


5. A nova variante da doença de Creutzfeldt- Jakob

Em 1986, na Inglaterra, foi descrita uma nova forma de encefalopatia espongiforme no gado bovino. Os animais apresentavam sinais de ansiedade e comportamento agressivo, evoluindo então com ataxia e emagrecimento. A morte ocorria entre duas semanas e seis meses após o início dos sintomas. Devido às alterações de comportamento, esta nova doença recebeu a designação de "doença da vaca louca" ou encefalopatia espongiforme bovina. Nos anos seguintes, houve um aumento explosivo do número de casos, com a grande maioria ocorrendo na Inglaterra. Esses fatos levaram à busca de uma fonte comum para infecção. Após estudos epidemiológicos, verificou-se que a infecção provavelmente ocorreu pela adição de carne de ovelhas no preparo das rações.

O Scrapie é uma forma de encefalopatia espongiforme das ovelhas conhecida há mais de 200 anos. Nunca se comprovou a transmissão desta doença para o homem. O que se acredita é que o gado bovino tenha sido contaminado com o prion responsável pelo Scrapie, e a maior prova desta teoria é que, após a retirada de toda a carne de mamíferos no preparo das rações para o gado, o número de novos casos de EEB vem decrescendo em 40% ao ano.

Como o Scrapie nunca tinha sido associado à infecção em humanos, a princípio se pensou o mesmo em relação a EEB. Entretanto, entre 1994 e 1997, também na Inglaterra, surgiram 22 casos de uma nova forma de encefalopatia espongiforme. Os indivíduos acometidos eram em média mais jovens do que os com Creutzfeldt-Jakob (idade média de 29 anos). O quadro começa com alterações psiquiátricas e sensitivas (parestesias e disestesias), evoluindo com ataxia cerebelar e demência progressiva em todos os casos. O tempo de duração da doença é maior, durando em média 14 meses. Não se observa, ao EEG, as alterações típicas da doença de Creutzfeldt-Jakob, e o estudo neuropatológico revela extensas placas amilóides, semelhantes as do Kuru (outra forma de encefalopatia espongiforme humana descrita na Nova Guiné associada ao canibalismo e hoje extinta).

Até janeiro de 1999, 40 casos dessa enfermidade denominada nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob haviam sido descritos, sendo 39 na Inglaterra e 1 caso na França. Não foi descoberto nenhum fator de risco para a doença, e a hipótese atual é que os pacientes tenham sido contaminados a partir da ingestão de carne bovina contaminada com a encefalopatia espongiforme bovina. As razões para isso são: a) a maior parte dos casos se concentra na Inglaterra, onde também se concentra a grande maioria dos casos de EEB (173.126 contra 626 no resto da Europa); b) quando se injetou no cérebro de macacos um extrato obtido a partir do cérebro de vacas contaminadas com a EEB, estes desenvolveram um quadro muito semelhante à nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob; c) quando inoculados com prions de EEB ou da nova variante, camundongos desenvolveram os mesmos sintomas no mesmo intervalo de tempo (cerca de 250 dias) e apresentavam as mesmas alterações neuropatológicas.


6. Recomendações atuais

As três estratégias atuais para o controle da nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob são baseadas na eliminação dos casos atuais de EEB, eliminação da exposição do homem ao agente da EEB e na redução dos riscos de contaminação do gado pela EEB. As recomendações a seguir são as que vigoram atualmente na Inglaterra:

• Todos os animais suspeitos são mortos e, a seguir, estudados e incinerados.

• Os animais destinados ao abate são examinados e os tecidos onde se encontra a maior quantidade de prions são retirados (cérebro, medula, baço, timo, tonsilas, intestino).

• É proibida a adição de carne de qualquer mamífero em ração de animais de criação.

• Toda a carne para consumo humano deve ser desossada, já que há dados indicando a possível presença do agente da EEB nos gânglios da raiz dorsal e medula óssea.

• O leite é seguro para o consumo humano.

Mesmo com as medidas acima, novos casos da nova variante podem ainda continuar a aparecer nos próximos anos devido ao longo tempo de incubação das encefalopatias espongiformes. O intervalo entre o aparecimento da EEB e o relato dos primeiros casos da nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob foi de oito anos e, nesse tempo, uma quantidade indeterminada de pessoas pode ter sido contaminada.

Todo o alarde gerado pela imprensa provocou uma reação rápida pelos órgãos competentes, principalmente na Inglaterra. No Brasil, mesmo com a busca epidemiológica muito aquém do ideal, não há descrição de nenhum caso e, desta forma, a carne bovina pode ser considerada segura para o consumo humano.


POR Marco Antonio Lima

Fonte: Medcenter.com

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