sexta-feira, 23 de maio de 2008

Darwin entre nós

Estou postando um artigo do Correio da Bahia sobre a passagem de Charles Darwin por Salvador durante sua viagem histórica ... Descobri-o vendo um link da comunidade do orkut Gênesis... Ai vai o artigo bem interessante:

Darwin entre nós

O pai da Teoria da Evolução viveu de perto, em 1832, os exageros nada científicos do Carnaval de Salvador

Por Alexandre Lyrio

É preciso um esforço científico para imaginar aquela figura sisuda e de volumosa barba branca entre os saltitantes foliões do Carnaval de Salvador. Pois, em 1832, o biólogo inglês Charles Darwin viveu de perto os exageros nada cartesianos da folia soteropolitana. Sem ainda exibir a aparência profética com a qual ficou conhecido, chegou a testemunhar a experiência em manuscritos: “Foi muito difícil manter a dignidade”.

A incursão no Carnaval seria apenas um dos inúmeros momentos da curiosa passagem do naturalista pela Bahia colonial. Os fatos registrados na histórica visita têm estimulado uma série de eventos em Salvador, promovidos pelo professor do Instituto de Biologia da Ufba, Charbel El-Hani. As homenagens acompanham os chamados Anos Darwin, que comemoram mundialmente o bicentenário do cientista e os 150 anos de seu mais importante trabalho, a Teoria da Evolução das Espécies.

As Ilhas Galápagos, onde escreveu a famosa hipótese científica, não foram o único destino do jovem entusiasta das ciências naturais. Em Salvador, um ano antes de desembarcar no arquipélago do pacífico, Darwin deparou-se pela primeira vez com a exuberante floresta tropical. A bordo do navio inglês Beagle, com o qual realizou a famosa expedição, surpreendeu-se com tudo o que viu. A quase poética descrição sobre o lugar extrapolou os rigores da ciência aplicada. “Ninguém poderia imaginar coisa mais bela do que a velha cidade da Bahia, cercada por uma floresta luxuriante, de belas árvores, numa costa íngreme, debruçando-se sobre as águas calmas da grande Baía de Todos os Santos”, escreveu, em uma das cartas enviadas à família.

Ao desembarcar aqui, aos 22 anos, o pai de uma das mais revolucionárias teorias da ciência ficou embasbacado com o que considerou um imenso e diversificado laboratório natural. Chegou a utilizar alguns registros como base para seus estudos. “Aqui ele começa a obter informações que mais tarde o levam a ser um evolucionista”, atesta Charbel El-Hani, maior pesquisador das peripécias do naturalista na Bahia. Nas suas andanças pela mata atlântica da capital, mais tarde devorada pelos atuais subúrbio ferroviário e Comércio, Darwin viaja em importantes observações geológicas que o inspiram ao evolucionismo.

“Constatou uma camada de conchas sobre um paredão rochoso na altura do atual Comércio. Percebeu que ali o mar esteve mais alto um dia. Se a rocha mudou, porque não os organismos?”, compara El-Hani, que em março passado esteve à frente de dois ciclos de palestras sobre a visita do cientista e prepara um sem-número de atividades para abordar o tema. Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), Charbel não só resgata as análises darwinianas sobre as matas de Salvador como também desenterra verdadeiras pérolas do diário de bordo do Beagle: “O ruído dos insetos é tão alto que, à noite, pode ser escutado até mesmo de um navio ancorado a várias centenas de jardas da costa”, observou.

O navio inglês atracou aqui por se tratar de rota usual das embarcações que partiam da Europa, tanto que o próprio Darwin voltou em 1836, em rápida passagem de retorno do navio. Na primeira empreitada, sem que imaginasse o quanto a permanência seria interessante para as suas pesquisas, Darwin desembarcou precisamente onde hoje está instalado o restaurante Trapiche Adelaide, na Avenida Contorno. Entre os dias 28 de fevereiro e 18 de março, hospedou-se no Hotel Universo, mesmo prédio que mais tarde iria abrigar os jornais O Mercúrio e A Tarde, na Praça Castro Alves. “No começo da noite fui para o Hotel Universo, onde com a ajuda das três palavras – “comer” para “eat”, “cama” para “bed” e “pagar” –, meu hospedeiro e eu conseguimos nos entender muito bem”.

Dias depois, em 4 de abril, estava no Rio de Janeiro. Problemas com um funcionário da alfândega deixaram más impressões das terras cariocas.

Mais um motivo para não esquecer do porto anterior, a calorosa e animada capital da Bahia. Antes, já havia passado pela paradisíaca Fernando de Noronha, mas Salvador seria dos poucos lugares a conseguir fazer com que o lorde inglês caísse na folia. Num 1º de março, o jovem Darwin foi mesmo para as ruas com outros dois amigos. “É o primeiro dia de Carnaval, mas Wickhan, Sulivan e eu, sem temer, estávamos determinados a enfrentar seus perigos”. Tais perigos consistiam em ser alvejado por bolas de cera ou violentos jatos d’água. Essas e outras brincadeiras menos infantis fizeram com que o cientista jamais esquecesse a festa, onde, quem diria, perdera a “dignidade”.

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Profecias do abolicionista

Apesar das exaltações ao mundo que acabara de descobrir, Charles Darwin enojou-se com o aspecto escravagista da Salvador dos anos 1830. Diante de uma estrutura social cruel e implacável, quase seis décadas antes da Lei Áurea, o pai da Teoria da Evolução enxergou pouca possibilidade de progresso no Brasil, como se profetizasse um futuro ainda hoje atualíssimo. “Se, ao que a natureza concedeu ao Brasil, o homem adicionasse seus esforços justos e apropriados, os habitantes gozariam de um país e tanto. Mas onde a maior parte se encontra num estado de escravidão e onde tal sistema é mantido por um bloqueio completo à educação, o que se pode esperar senão que tudo se corrompa por completo?”, denunciou, no seu diário de bordo.

As convicções abolicionistas de Darwin o levaram a discutir de forma ferrenha com o comandante do Beagle, o capitão Fitzroy. “Enquanto o comandante era escravocrata, Darwin seguia mais os princípios ingleses da época”, conta Charbel El-Hani. Mesmo incomodado com as desigualdades locais, o encantamento com as maravilhas naturais superou as decepções. Tanto que o cientista chegou a cogitar ficar por um período mais longo: “O prazer glorioso e delicado de andar entre tais flores e árvores não pode ser compreendido senão por aqueles que o experimentam. Penso que o clima está admiravelmente de acordo comigo. Faz com que eu deseje viver quieto, por algum tempo, em tal país”.

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ROTA DO BEAGLE

Finalmente, depois de um minucioso plano de viagem elaborado pela marinha inglesa, em 27 de dezembro de 1831, o Beagle zarpou. Em cinco anos de viagem, Darwin obteve conhecimento da fauna, flora e geologia de lugares diversos.

Seleção natural faz 150 anos

Charles Robert Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, e seu bicentenário será comemorado no ano que vem. Em 1859, enunciou a Teoria da Evolução no livro A origem das espécies. Tal foi o impacto da obra em sua época que a primeira edição, com tiragem de 1.250 exemplares, esgotou-se no primeiro dia. Um ano antes, já havia formulado a Teoria da Seleção Natural, que completa 150 anos este ano e serviu de base para a publicação. Depois da expedição com o Beagle, Darwin passou 20 anos estudando os dados coletados para confirmar a ocorrência de variações nos seres vivos.

“As espécies, ao contrário da crença quase universal, não são estáticas e imutáveis, mas se modificam através de longos períodos de tempo, pela seleção natural, permanecendo vivas apenas as mais aptas”, escreveu, numa das suas célebres frases. Ao contestar a própria igreja quanto à origem dos seres vivos, Darwin mudou os conceitos científicos da época e ainda hoje sua hipótese é aceita como a verdade sobre a origem da vida. Em 1871, ele provocou ainda mais polêmica ao publicar a obra A descendência do homem, onde teria sugerido que o ser humano descende do macaco.

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