O pior inimigo do homem moderno é silencioso, cruel e traiçoeiro. Age nas sombras, imperceptível e lento, e quando finalmente mostra as garras, pouco resta fazer o destino da vítima já foi traçado. Filho indesejado do progresso, ele atinge as pessoas quando chegam ao período mais produtivo da vida. Por essa razão, é conhecido como a “doença da civilização”, mas seu verdadeiro nome é um pouco mais complicado – arteriosclerose.
“A arteriosclerose é a doença que mais mata no Primeiro Mundo”, adverte Marisa Campos Moraes Amato, Livre Docente de Cardiologia do Incor e responsável pela Clínica Check-up MED – Diagnósticos Médicos. Especialista no assunto, ela informa a enfermidade caracteriza-se pela degeneração das artérias, cujas paredes tornam-se mais espessas e endurecidas, perdendo a elasticidade. As conseqüências são fatais, decorrentes da má circulação do sangue.
Preocupada com o problema, Marisa Amato realizou em dezembro de 1997, uma ampla pesquisa, analisando mais de 11 mil questionários distribuídos a comerciantes e pessoas de alguma forma ligadas ao setor de comércio e serviços.O objetivo era descobrir a porcentagem de risco que cada pessoa estava correndo de sofrer um problema cardiovascular. As perguntas 40 ao todo, referiam-se aos hábitos dos pesquisados, com idade média de 42 anos, principalmente em relação a exercícios físicos, tabagismo, alimentação, tipo de trabalho, férias, relacionamentos e dados pessoais como peso, idade e histórico familiar. As questões permitiram levantar um perfil de cada participante, fornecendo-lhe uma informação de grande utilidade: o percentual de risco corria de se transformar em mais uma vítima da arteriosclerose.
O resultado médio para esse grupo de pessoas (68% eram do sexo masculino) indicou uma estimativa de risco de 35,44%. Um percentual que poderia ser reduzido para 4,54%, já que 18,18% eram riscos que poderiam ser removidos e 12,72% controlados.
Dois caminhos
Poucas pessoas, porém, se preocupam em controlar ou remover seus fatores de risco. Para a maioria dos afetados, a evolução da doença pode seguir duas tendências, explica Marisa. A mais freqüente conduz à estenose, que é a redução progressiva do diâmetro (calibre) da artéria, em decorrência da proliferação de células em sua parede. Como conseqüência há a diminuição do fluxo de sangue, que reduz a irrigação dos tecidos, causando uma deficiência chamada isquemia. A estenose provoca também a formação de placas com depósito de gordura e até a calcificação ou obstrução total da artéria.
A segunda tendência conduz ao enfraquecimento da parede, que pode levar à dilatação (aneurisma) ou ao alongamento (dolicoartéria) da artéria. Esse problema produz compressão das estruturas vizinhas e significa um elevado risco de rompimento, podendo causar morte súbita.
A arteriosclerose não tem causa conhecida, diz Marisa, mas sabe-se quais os fatores que interferem em seu aparecimento e evolução. São os chamados fatores de risco e tecnicamente podem ser classificados como irremovíveis, controláveis e removíveis.
Na primeira categoria estão os fatores inerentes ao indivíduo, como idade, antecedentes familiares, sexo e alterações de caráter pessoal já ocorridas.
Na segunda estão aqueles que, embora não possam ser inteiramente removidas, podem ser controladas, seja com medicamentos, seja com uma radical mudança de hábitos. Entre eles estão: hipertensão arterial, diabetes, estresse, excesso de colesterol e obesidade.
Na última categoria estão os fatores cuja remoção definitiva depende exclusivamente do indivíduo. É o caso do sedentarismo, maus costumes alimentares e tabagismo. Basta que a pessoa inicie um programa de exercícios físicos, cuide da própria alimentação e deixe de fumar. Mas as alterações sofridas pelo fumante, enquanto fumante, são irreversíveis, lembra Marisa.
Campanha
Marisa Amato, que é cardiologista, dedica-se a combater a arteriosclerose há vários anos. Quando foi Presidente da Academia de Medicina de São Paulo, elegeu como plano de ação, alertar a comunidade para os perigos que os hábitos inadequados representam. Uma das providências foi lançar, em parceria com o Prof. Salvador José de Toledo Arruda Amato, cirurgião vascular, o livro Mudança de Hábito, um texto simples que procura mostrar os males da vida moderna e a necessidade de identificar e controlar os fatores de risco. Hoje, em 2004, já está na 5 a. edição com o nome Estilo de Vida, lançado pela Editora Roca.
Outra medida foi realizar a pesquisa, cujo maior benefício constitui em revelar para os próprios pesquisados – cada um recebeu um diagnóstico – seus pontos vulneráveis e os riscos que correm.
A pesquisa de Marisa Amato trouxe alguns dados interessantes. Entre os homens, por exemplo, o maior risco está entre os maiores de 31 anos. Para as mulheres, a idade mais crítica aparece após os 51 anos. A maioria absoluta está consciente de que os próprios hábitos alimentares não são adequados:
49,16% consideram-nos ruins e 50,73% os tacham de sofríveis. Para a atividade física o resultado foi semelhante: 61,77% consideram na insuficiente, 25,68% regular e apenas 12,55% satisfatória.
Esses números mostram que as pessoas, bem ou mal, estão conscientes de sua realidade. Falta-lhes talvez um alerta, como este que Marisa Amato está divulgando. Afinal, se existem fatores irremovíveis, eles não são a maioria. É preciso, diz ela, concentrar esforços naquilo que pode ser controlado e até eliminado.
No que respeita à pressão alta, por exemplo, como é conhecida popularmente a hipertensão arterial, Marisa recomenda que sejam realizadas avaliações freqüentes, pois há pessoas que sofrem desse problema e nem sequer sabem disso. A diabetes, que é a perda da capacidade do organismo de produzir insulina, é outro fator controlável, assim como o excesso de colesterol, a substância química gordurosa que é produzida no fígado e ingerida em alimentos de origem animal. Já a obesidade é um fator mais visível. Seu mal maior é a alteração que acarreta sobre o metabolismo e órgãos, principalmente o coração. Parceira do sedentarismo, a obesidade exige duplo controle, baseado em dieta e atividade física.
Outro fator controlável é o estresse, caracterizado pelo estado de tensão do organismo, decorrente de causas diversas, que podem ser emocionais, psicológicas e mesmo físicas. Neste último caso, a tensão é o resultado da secreção de hormônios, ativados para manter o corpo em estado de alerta. Um alerta que custa caro: o coração bate mais rápido, a pressão sobe, as artérias se dilatam. Tudo isso para que a circulação cresça nos músculos periféricos, em prejuízo do cérebro, coração e rins. Esse estado, se mantido por período longo de tempo, torna-se prejudicial, provocando insônia, fadiga, irritabilidade, perda da memória, entre outros problemas.
Mãos à obra
Os maiores esforços, porém devem se concentrar nos fatores removíveis, a começar pelo cigarro.
“Atualmente morrem por ano 3 milhões de fumantes no mundo”, diz Marisa Amato. No Brasil são cerca de 100 mil, 15 mil somente no estado de São Paulo, números eloqüentes.
Não há dúvida de que o fumo diminui o tempo de vida, lembra a cardiologista. As estatísticas provam que a mortalidade entre os fumantes em geral chega a ser duas vezes maior do que entre os não fumantes. E em todos esses casos há uma grande incidência de morte súbita.
Mas não basta abandonar o cigarro, é preciso também praticar exercícios. A atividade física é responsável pela ativação da circulação sangüínea, propiciando uma freqüência cardíaca mais adequada a cada momento do dia – mais alta durante o trabalho e mais baixa durante o repouso. È o condicionamento físico, que deve ser mantido com a prática de uma atividade física com regularidade e intensidade adequadas. Quanto aos hábitos alimentares, o pior inimigo é o colesterol, presente nos pratos mais comuns. A recomendação é equilibrar a alimentação, mantendo padrões saudáveis.
O estilo de vida atual, não resta dúvida, é o maior responsável pelos riscos cardiovasculares que a população enfrenta. Mas o perigo se reduz substancialmente quando esses riscos são detectados e, principalmente, combatidos. Cuidar de si mesmo, diz Marisa, é a melhor receita para ter uma vida sadia.
Amato, MCM – O Assassino Silencioso. Rev Problemas Brasileiros, nov/dez de 1997, p.32-33.
Prof. Dr. Salvador José de Toledo Arruda Amato Angiologia e Cirurgia Vascular CRM 28082 | Profa. Dra. Marisa Mapos Moraes Amato Cardiologista CRM 30400 |
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